Obrigada pela herança
De herdar-me assim
Alma descabelada
Como quem acorda
Assustada
Sempre atrasada
Pra mais uma lida
Uma aventura
Mais um dia
Uma oportunidade
Tão louca
Tão tosca
Tão eu, tão minha
Nas tentativas
De melhorar-me os traços
As luzes, tons e timbres
Ser tão minha
Ainda em construção
Obrigada pela herança de
Herdar-me
Em som
Nestes sons de toda a parte
Dessa natureza viva
Que transcende
Obra inacabada
De beleza inexata
Daquelas que não se percebe
Em uma única visão
É preciso conviver, viver vária vezes
Aproximar-se, aproximar-me
Distanciar-se, distanciar-me
Ampliar a percepção
Obrigada
Por herdar-me
Em construção
Ser poesia sem fim
Nessas tantas pandemias
Desde as chagas do meu orgulho doentio
Ao egoísmo cortante que
Vou extirpando
Num tratamento lento
Mas consciente
Do que ainda se é
E do que se deseja ser
Por herdar-me
Cocriadora e ser criatura
Me sentir livre
Por me pertencer
Sem nenhuma matemática
Que me calcule.
Sem fórmulas químicas
Que me simulem
Sem geografia que
Me localize
Nem História que me conte
Exceto a que escrevo
Junto a ti
Obrigada
Junto a tua confiança
Por se eu mesma
Minha herança
De que já, revelando-me
Sou esperança
Que caminha do que estou para
Aquilo que plenamente
Hei de ser
Maris Figueiredo